Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Associativismo e redes discutidos no I Encontro do Corredor Tupi Mondé


Nos dias 20 e 21 de fevereiro participei do I Encontro do Corredor Tupi Mondé, em Cacoal-RO. Participaram lideranças indígenas de 5 etnias, falantes de Tupi Mondé e Rama Rama: Paiter (Suruí), Karo (Arara), Pádèrej (Cinta Larga), Ikolen (Gavião) e Pangyjej (Zoró). Também estavam presentes representantes de diversas organizações governamentais e não governamentais que trabalham com aquelas comunidades.
 

Para dar subsídios ao principal objetivo do encontro que era promover a discussão sobre a Gestão Etnoambiental e Cultural do Corredor Tupi Mondé, foram feitas exposições e mesas redondas sobre Análise de Conjuntura, Cultura Tupi Mondé, Gestão Territorial e Ambiental, Associativismo e Redes.

Nesta última lembramos que as associações indígenas têm tido um importante papel na luta pela terra, na definição e implementação de políticas públicas e na execução de projetos de geração de renda, infra-estrutura, etc. No entanto, também tem sido disseminada a idéias de que ter uma associação é garantia de ter projetos aprovados por financiadores e isso é igual a dinheiro para a comunidade, gerando estímulo para que toda comunidade indígena tenha sua associação.

O que se observa é que muitas dessas associações não conseguem elaborar e ter projetos aprovados, gerando frustração para as comunidades, que responsabilizam seus dirigentes por isso. A realidade tem mostrado que ter uma associação não é igual a ter projetos. Isso é uma ilusão. Não é tão fácil como parece ter projetos aprovados e a disputa pelos recursos disponíveis é bastante grande.

Fala-se também da importância das associações para conseguir parcerias e reivindicar políticas públicas. Foi perguntado para os presentes: será que as organizações parceiras aqui presentes, sejam da sociedade civil, sejam do governo, deixariam de trabalhar com os povos indígenas se não tivessem associação? Não reconheceriam suas organizações tradicionais? Se responderem que sim, os índios precisam ensinar esses parceiros a reconhecer suas formas próprias de organização.

Em geral quando se pensa em uma articulação, mesmo de caráter político, logo é criada formalmente uma associação. Como tantas outras, ficará dependendo de financiamentos para conseguir as condições para seu funcionamento: sede, equipamentos, pessoal, despesas administrativas. Em muitos casos o financiamento não é conseguido e será mais uma organização a “ficar neutra”, sem atuação.

Os Paiter Suruí criaram o seu Parlamento, que não tem personalidade jurídica e tem sido amplamente reconhecido. Tem como “braço executivo” as associações Paiter, em especial a Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí, que coloca sua sede, pessoal, equipamentos e materiais à disposição do Parlamento Paiter.

Foi sugerido considerarem as diferentes formas de organização dependendo do objetivo que se quer alcançar: “uma ferramenta é adquirida quando se tem muito claro o que se precisa fazer e deve ser adequada para aquela atividade.”


Uma das formas de organização sugeridas para o Corredor Tupi Mondé foi a criação de uma rede, constituída pelas associações já existentes e lideranças indígenas das diversas etnias. Conselhos e coletivos também foram citados, inclusive pelos grupos que discutiram , entre outros temas, como fazer a gestão do Corredor. Foi consenso nos 4 grupos que não será uma organização formal.

Foi criada uma comissão com 2 representantes de cada etnia presente ao encontro para aprofundarem a conversa em suas comunidades e depois proporem uma forma de organização e seu funcionamento.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Desafios atuais para o fortalecimento de organizações indígenas

Ontem participei de uma mesa de debate sobre os Desafios atuais para o fortalecimento das organizações indígenas, parte do Seminário Organizações Indígenas: Análise e Perspectivas na Região Amazônica, promovido pela OPAN – Operação Amazônia Nativa, em Cuiabá-MT.

Apresentei para debate cinco desafios:


Desafio 1:


Desmistificar a necessidade de criar associações; desfazer a equação “associação = dinheiro”; explorar outras formas de organização não formais e apoiar a criação de associações apenas quando os objetivos traçados realmente necessitem de uma organização formal desse molde.

Precisamos sempre nos perguntar e, principalmente, às comunidades indígenas Para quê uma associação é necessária? O que se quer fazer que sem essa organização formal não será possível? A meu ver, uma organização só deve ser formalizada se essas perguntas puderem ser respondidas claramente. Caso contrário, para que envolver lideranças indígenas com as despesas e trabalho burocrático que uma pessoa jurídica exige?

Muitas associações são criadas sem uma prévia discussão sobre seu papel e importância, principalmente para captarem recursos através de projetos e diversas formas de doação. Sem conseguir os recursos esperados, muitas delas ficam “neutras” (sem atividade) ou se afundam em dívidas e inadimplência por não conseguirem prestar contas. Gersem Luciano,  Baniwa, escreveu que as associações criadas para captar recursos, em geral, acabam junto com o projeto por falta de sustentabilidade social e política.

Muitas vezes, a demanda pela criação de associações não é da comunidade, mas de organizações privadas ou governamentais interessadas em implementar os seus programas ou empresas que precisam pagar compensação socioambiental. As comunidades devem ficar com esse ônus? Caso seja do interesse da comunidade, a criação da associação deve ser antecedida de muita conversa sobre o papel e importância de uma associação, os objetivos e formas de funcionamento com ampla participação de todos.

Precisamos considerar também outras formas de organização, especialmente as não formais, além das organizações tradicionais de cada povo, como redes, grupos de desenvolvimento local sustentável, entre outros, que aproveitem as estruturas das associações existentes, por exemplo, para articulações regionais, ao invés de recorrer à novas organizações, que também precisarão de pessoal, infra-estrutura, equipamentos, entre outras coisas, o que nem sempre se consegue.

Os índios Baniwa, do noroeste do Amazonas, definem que: Associação é como ferramenta de trabalho. É ferramenta de trabalho dos brancos, que precisa ser mais bem entendida para que com isso se fortaleça cada vez mais. Gosto desta comparação porque escolhemos uma ferramenta quando sabemos o que queremos fazer; é preciso que ela tenha boa qualidade e funcione bem; precisa ser manejada para que o objetivo seja atingido.


Desafio 2:


As associações devem ser capazes e tomarem para si o papel de “traduzir” para as comunidades as políticas públicas e outras ações voltadas para os povos indígenas e “traduzir” para os agentes governamentais e não governamentais os desejos, a visão e o jeito de fazer dos povos indígenas.

Gersem propõe que as associações sejam guardiãs, vigias para a comunidade contra os perigos que vêm de fora. Quando há risco iminente, os dirigentes da associação se juntam com as lideranças tradicionais para enfrentarem os perigos.

Na minha avaliação, as associações não têm apenas o papel de enfrentar os perigos, mas também de aproveitar as oportunidades de produção e comercialização, projetos, definição e controle social de políticas públicas, entre outros. Conhecedores dos códigos tanto das sociedades indígenas como das não indígenas dirigentes das associações e seus colaboradores podem explicar melhor para seus parentes o que pensam e como fazem os não indígenas e para esses os desejos e o jeito de fazer dos povos indígenas, exercendo assim um papel de interlocutoras entre a sociedade indígena e a não indígena.


Desafio 3:


Contribuir para a criação e funcionamento de associações que os seus associados se reconheçam nelas, tenham “a cara” do povo que as criou, que estejam inseridas na cultura e no cotidiano dessas comunidades.

Criadas muitas vezes no calor da pressão para atender às agendas de organizações externas, aprovam estatutos elaborados a partir de “recorta e cola” de modelos já cristalizados e mantêm sempre a mesma estrutura, em geral inadequadas para os povos indígenas. Porque criar “organizações estranhas à cultura indígena” se não há nenhuma necessidade disso? Se as organizações tradicionais indígenas são heterogêneas, ágeis, com hierarquia horizontal, lideranças democráticas porque criar associações homogêneas, burocráticas, com hierarquia vertical e lideranças centralizadoras?


Desafio 4:


Tornar as associações organizações efetivas e legítimas de suas comunidades, que contribuam para a “sustentabilidade dos povos indígenas em suas terras”, para a conquista de seus direitos e para a melhoria das políticas públicas.

Continuando com a mesma comparação já feita acima, o fato de criar uma associação não resolve nenhum problema de uma comunidade, por mais que algumas pessoas pensem isso. Quem dá vida a uma ferramenta são as mãos que a manejam.

É preciso comprometer mais os associados com a associação desde o início, inclusive para a sua sustentabilidade financeira; estimular e capacitar as pessoas para o funcionamento da diretoria como um todo, do conselho fiscal e tornar as assembléias um momento de planejamento, avaliação e aprimoramento do funcionamento da associação.

Contribui muito para o fortalecimento das associações, para que atinjam objetivos relevantes para suas comunidades a realização de diagnósticos e planejamentos efetivamente participativos.

Em especial as associações que têm escritório na cidade, distante das aldeias, tendem a ter mais atuação em eventos externos, uma agenda política mais forte do que sua atuação na comunidade. Assim se tornam cada vez mais descoladas de seus associados, servindo mais como balcão de atendimento e assistencialismo do que efetivamente organizações de suas comunidades. As associações devem estar enraizadas e atuando mais nas comunidades do que fora ou servindo de “balcão de serviços”.


Desafio 5:


Definirmos e executarmos uma estratégia que contribua de fato para o fortalecimento dessas organizações para que elas não precisem continuamente de nossa assessoria, mas que possamos nos orgulhar do dia em que não precisarão mais de nós.

Até que ponto estamos contribuindo para melhorar a eficiência e eficácia das organizações indígenas? É realizada uma grande quantidade de cursos ou oficinas de capacitação em gestão. Como estão impactando a gestão das associações? Cursos e oficinas deveriam estar inseridos em uma estratégia mais ampla de capacitação, com a utilização de outras ferramentas, de forma a contribuir para o empoderamento pelos índios dos conhecimentos e práticas necessários para a gestão autônoma de suas associações?

Vistos muitas vezes como assessores, estamos contribuindo para o empoderamento ou estamos assumindo tarefas que deveríamos capacitar os índios para realizar? No outro extremo, não assumimos muitas vezes o papel de decisão que também caberia a eles? Não basta que assessores tenham conhecimento técnico. É preciso que também tenham perfil pedagógico para capacitar as lideranças indígenas e não fazer por eles.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Associações também devem ter controle social

Participei de uma mesa de debate sobre gestão de associações indígenas em que fomos perguntados por que havia tantas associações inadimplentes, sem conseguir prestar contas de seus projetos e impossibilitadas de acessar novos recursos. Respondi que, a meu ver, muitos dirigentes de associação não tinham conhecimento e experiência suficientes para a execução de orçamentos, administração de contas bancárias, elaboração de controles financeiros; pessoas da comunidade pressionam constantemente para que o dinheiro seja utilizado para atender à necessidades que não constam do orçamento e, por fim, a ausência de um conselho fiscal atuante ou outro mecanismo de controle do uso dos recursos por parte da comunidade torna mais tentador o acesso aos recursos da associação para outros fins.

Chama a atenção a raridade com que encontramos um conselho fiscal de associação que funcione e cumpra as suas atribuições. Em muitos casos, os conselheiros nem ao menos conhecem as suas atribuições. Em muitos outros, não sabem como fazer para cumpri-las.

Fui convidado há alguns anos para capacitar o conselho de uma associação regional na Amazônia. Explicaram que o conselho fiscal estava formado há pouco tempo e que seus membros não sabiam como ler e interpretar um relatório financeiro, como conferir os comprovantes de receitas e despesas ou como emitir seu parecer. Disse também que estava preocupado porque os conselheiros chegavam na sede da associação como se fossem “polícia” e os diretores estavam ficando ressentidos.

Fiquei contente com o convite porque estavam realmente interessados em fazer o conselho funcionar. Capacitar conselheiros ou mesmo diretores para o exercício de suas funções é fundamental para que possam fazer isso de forma qualificada.

Começamos por verificar no estatuto quais eram as atribuições do conselho fiscal. Refletimos que a mesma assembléia que elegeu a diretoria, também escolheu a comissão. Os diretores foram encarregados de gerir a associação e executar a estratégia definida pela assembléia, enquanto o conselho fiscal foi encarregado de acompanhar esse trabalho, verificando principalmente o uso dos recursos. A assembléia não fez isso por desconfiar dos diretores, mas, pelo contrário, porque não quer desconfiar.

Diversas organizações contratam auditorias para que alguém independente possa atestar que os recursos estão sendo utilizados corretamente. Essa transparência da muita confiança para os associados, financiadores e para a sociedade em geral. Da mesma forma, a atuação do conselho fiscal não visa “pegar coisas erradas”, mas se certificar de que a diretoria está agindo corretamente na utilização do dinheiro e declarar isso para a assembléia através de seu parecer.

Dinheiro sempre é o motivo de muitas fofocas. Agora, se houver transparência com a divulgação de relatórios financeiros, se as contas forem analisadas pelo conselho e seu parecer favorável aprovado pela assembléia, quem poderá questionar sem ser identificado como fofoqueiro e criador de intrigas? A boa atuação do conselho interessa e muito para os diretores inclusive.

Me perguntaram: E se a diretoria fizer alguma coisa errada? Nesse caso, se o conselho fizer bem o seu trabalho, vai descobrir, relatar para a assembléia e os responsáveis terão que consertar o mal feito, além de sofrer possíveis sanções previstas no estatuto ou definidas pela assembléia. No entanto, a atuação do conselho tem um caráter inibidor dessas práticas. Sabendo que todas as contas serão bem analisadas, os diretores vão preferir utilizar os recursos corretamente.