Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 29 de abril de 2013

A continuidade das ações é fundamental para o Desenvolvimento Organizacional



Já comentei aqui que uma das coisas que impõem limite e muitas vezes comprometem o sucesso de um programa de Desenvolvimento Organizacional, em especial com associações comunitárias, é a falta de continuidade, provocada pela interrupção de financiamento, perda de técnicos ou mudança nas linhas de ação da organização que oferece o serviço. Algumas organizações prevêem em seus projetos ações pontuais de “capacitação para o fortalecimento de associações”, que não chegam a desencadear de fato um processo.

É fundamental a construção de relações e o estabelecimento de confiança entre o consultor, as lideranças e os comunitários, o que leva tempo. Além disso, a capacitação de lideranças e colaboradores (sejam voluntários ou funcionários), o esclarecimento sobre os papéis de diretores e conselheiros, o aprimoramento de procedimentos administrativos, a elaboração de diagnósticos e planejamentos participativos, a captação de recursos, o monitoramento e avaliação da implementação do planejamento, o fortalecimento do tecido das comunidades e a estruturação de grupos de trabalho também são processos demorados.

Quando esse processo é interrompido, muito do que foi conquistado é perdido. A quebra de confiança é uma perda ainda maior. Muitas vezes ouvi: “Você vai mesmo trabalhar com a gente ou vai só começar e ir embora como outros já fizeram?” Nós temos o direito de começar um trabalho, ganhar a confiança de pessoas e famílias, que muitas vezes nos acolhem em suas casas, e depois ir embora com a justificativa de que “o projeto acabou”?

É preciso que organizações e financiadores pensem seriamente até onde vai o seu compromisso antes de iniciar qualquer ação.

Tenho sempre falado para dirigentes, lideranças e associados que eles não devem contar que terão sempre apoio externo. Devem aproveitar o que está sendo oferecido para se prepararem para um dia caminharem sozinhos, continuarem desenvolvendo suas associações com suas próprias habilidades e capacidades, mas é preciso que as ações de Desenvolvimento Organizacional sejam formatadas nesta perspectiva e que a continuidade seja garantida até que possam caminhar sozinhos. Costumo dizer que "não podemos manter uma criança em nosso colo durante anos e, de repente, dizer a ela que já está bem grandinha e deve andar sozinha". Como podemos cobrar isso dela se não demos as condições necessárias para isso?

Recentemente iniciei um trabalho com uma associação. Temos um contrato que, até onde é possível, garante um ano de trabalho. Depois disso será feita uma avaliação dos avanços conseguidos e da necessidade de um novo período de trabalho. Neste primeiro ano seguiremos a metodologia descrita na postagem anterior a esta. Serão intercaladas oficinas para formação sobre associativismo, diagnóstico e planejamento, elaboração de projetos e captação de recursos, gestão de associação, projetos e empreendimentos comunitários, com períodos de capacitação em serviço que ligarão o que foi trabalhado nas oficinas com o cotidiano da associação, além da construção de um Plano de Vida, que inclui a Visão de Futuro, Diagnóstico e Planejamento, construídos de forma participativa em todas as comunidades, seguidos de sistematização e validação com as lideranças.

Acredito que só pode haver fortalecimento de uma associação com o empoderamento de cada associado, suas lideranças e dirigentes, fazendo dela uma organização efetiva daquelas comunidades para a conquista autônoma e soberana de seus direitos e qualidade de vida. Se não estivermos dispostos ou com condições para isso, melhor fazemos se nem começarmos.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Uma metodologia de Desenvolvimento Organizacional construída na prática

Em 2011 participei de algumas discussões sobre estratégias e metodologias de Desenvolvimento Organizacional de associações comunitárias. Foram definidas duas linhas de ação. Uma delas deveria começar com um diagnóstico organizacional; a partir das fragilidades detectadas seria elaborado um plano de trabalho para a sua superação. A outra linha seria iniciada com um diagnóstico e planejamento participativos; a continuidade do trabalho seria o apoio para a implementação do planejamento.

Como eu acredito que uma metodologia só se prova eficaz se for testada na prática, me dediquei a isso em 2012, com o aval das organizações que estavam promovendo o trabalho e das associações comunitária para quem era dirigido. Devo salientar, com felicidade, que a proposta foi aceita em todos os casos. Publiquei os relatos neste blog, mas avalio como importante mostrar aqui, de forma bem resumida, como se deu o processo, demonstrado parcialmente em cada postagem.

A execução das atividades não foi igual para todas as associações, por depender da disponibilidade das organizações apoiadoras e das associações comunitárias. Quero destacar uma associação com a qual o trabalho foi mais sistemático e contínuo, a Associação dos Moradores e Amigos da RDS do Juma - AMARJUMA, em Novo Aripuanã – AM.

Iniciamos com uma oficina sobre associativismo e aspectos gerais de gestão de uma associação. Participaram representantes de 4 associações. Ao final, o presidente da AMARJUMA disse que tinha gostado muito do livro Associação é para fazer juntos e que o usaria para fazer reuniões nas comunidades. Relatou algum tempo depois que tinha utilizado o livro para fazer leitura dialogada e em seguida um debate sobre o capítulo lido em várias comunidades.

Fizemos o diagnóstico organizacional com a participação de alguns diretores e lideranças. Foram detectadas fragilidades organizacionais, administrativas e pouca participação dos associados no planejamento, execução e avaliação das atividades. Esse diagnóstico foi feito a partir de um conjunto de indicadores de desenvolvimento organizacional, que foram alterados em parte durante a execução nas mais de 30 associações de agro-extrativistas, pescadores e indígenas do Sul do Amazonas, Rondônia, Amapá, Sul da Bahia e Espírito Santo. Além de fornecer informações fundamentais para o planejamento do trabalho de desenvolvimento organizacional, várias lideranças disseram que foi uma oportunidade para tomarem conhecimento de exigências legais e outros aspectos até então desconhecidos.

Na RDS do Juma foram feitas várias reuniões, que reuniram por setores, quase todas as comunidades, em duas etapas. Depois de algumas reflexões sobre o que é uma associação, sua importância como forma de organização das comunidades, foi feito o diagnóstico e o planejamento de atividades para resolver ou mitigar aqueles problemas. Também essa atividade foi realizada em várias outras associações. Com associações indígenas de Rondônia e Amapá, representantes das várias aldeias foram reunidos em um mesmo local. As técnicas foram sendo adaptadas aos diferentes públicos e circunstâncias. Além do produto concreto, que era o Plano de Ação elaborado, foi muito significativa a tomada de consciência por parte dos associados de que a associação não serve principalmente para captar recursos, mas para se organizarem e resolverem seus problemas, valorizando suas potencialidades, além das diferentes formas de parceria.

Os planejamentos elaborados nas diversas reuniões foram sistematizados e validados em uma reunião de lideranças de todas as comunidades. Por último foi aprovado pela assembleia geral da AMARJUMA, que também elegeu uma nova diretoria. Os diretores e conselheiros eleitos tinham uma nova consciência de como dirigir uma associação e um Plano de Ação com o qual todos os associados se identificavam. Antes da eleição foram lidas no estatuto as atribuições de cada diretor e conselheiro e os associados foram estimulados a votar em pessoas que pudessem exercer da melhor forma as suas funções. Também nessa assembleia foi apresentada, pela primeira vez, a prestação de contas dos 4 anos de gestão da diretoria, em planilha eletrônica e todos os comprovantes de receitas e despesas foram disponibilizados para análise dos associados, fruto da primeira atividade realizada para aprimoramento da gestão administrativa e financeira.

O desafio é a continuidade do aprimoramento da gestão e a implementação do planejamento com a organização de grupos de trabalho, a valorização de suas potencialidades, o aproveitamento consciente das oportunidades de financiamentos e parcerias, a execução e avaliação participativas dos resultados alcançados para que constatem na melhoria das condições de vida nas comunidades que vale muito a pena quando a associação é feita juntos.


terça-feira, 2 de abril de 2013

Sobre águias, galinhas e associações



Há anos atrás perguntei para um coordenador de programa de uma organização porque os coordenadores de programas regionais ainda não lidavam bem com o setor de desenvolvimento das associações comunitárias se, inclusive alguns documentos daquela ONG, definiam que as associações eram estratégicas. Ele respondeu: sabe a “galinha choca”, que gosta de ter os pintinhos todos embaixo de suas asas? Então, se você desenvolver as associações e elas saírem debaixo da asa da “galinha”, ela vai ficar sem ter o que fazer. Um pouco chocado perguntei: então aquela estória de autonomia das associações é tudo conversa? Ele assentiu com um gesto, sem precisar dizer mais nada.

Leonardo Boff narra a fábula da Águia e a Galinha em livro homônimo, publicado pela Editora Vozes, ainda disponível nas livrarias, contada por James Aggrey, político e educador popular de Gana, quando discutiam os caminhos para a libertação do país da colonização inglesa:

Um camponês foi a uma floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Embora águia fosse e o rei/rainha de todos os pássaros.

Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:

- Este pássaro aí não é galinha. É uma águia.

- De fato, disse o camponês. É águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.

- Não, retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.

- Não, não, insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.

Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:

- Já que de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe.

A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.

O camponês comentou:

- Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!

- Não, tornou a dizer o naturalista. Ela é uma águia. E uma águia sempre será uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.

No dia seguinte o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-lhe:

- Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe.

Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas.

O camponês voltou à carga:

- Eu lhe havia dito, ela virou galinha!

- Não, respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas.

O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:

- Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!

A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.

Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez mais alto. Voou... voou.. até confundir-se com o azul do firmamento...

Acredito ser pertinente nos perguntarmos sobre o resultado do trabalho de desenvolvimento organizacional ou fortalecimento institucional, realizado por várias organizações que apóiam associações e outras formas de organização comunitária. Estamos dando condições para que elas se reconheçam como águias e voem ou estamos contribuindo para que se mantenham como galinhas, limitando-se ao chão e ao que conseguem ciscar nele?

A “superproteção” que vemos nas “galinhas chocas”, em alguns pais e mães, encontramos também na prática de organizações que colocam seus “assessores” dentro das associações comunitárias “para que tudo dê certo”. Já comentei em outras postagens que os dirigentes das associações não aprenderão se não fizerem. Não é verdade que aprendemos também, ou talvez mais, com os erros? Ou isso também é só conversa?

Galinhas não são para sempre. Pais e mães não são para sempre. E o apoio de organizações também não é. Depende da continuidade de financiamentos, da continuidade de técnicos em seus quadros e até mesmo da continuidade de programas e linhas de trabalho. E quando não tem mais, como ficam as associações? Muitas vezes órfãs de suas “galinhas chocas”.

Há também aquelas que apóiam as associações comunitárias mais porque precisam delas para o desenvolvimento de seus programas ou projetos. A necessidade do desenvolvimento das associações comunitárias é mais delas do que dos próprios associados. Nesses casos, costumam investir em “arrumar a casa” ou no máximo desenvolver algumas habilidades de gestão. Fica fora de sua preocupação e investimentos, fortalecer o tecido social, a participação a estruturação da organização nas comunidades.

Quando meus três filhos eram pequenos, levava-os para andar de bicicleta, subir em árvores, correr nas praças. Muitas vezes fiquei com “o coração nas mãos” quando acenavam sorridentes de cima de um brinquedo ou galho de árvore, mas incentivava-os a continuar; minimizava os joelhos ralados em quedas de bicicleta ou corridas na rua. Algumas pessoas me avaliam como frio ou duro por causa disso, mas hoje vejo, feliz, três jovens trilhando seus próprios caminhos cada vez mais com autonomia e soberania e penso não sem orgulho: acho que não estou fazendo um mal trabalho como pai.



Não deveríamos ter o mesmo sentimento ao pensar nas associações que contribuímos com o desenvolvimento organizacional?

No final do ano passado ouvi de um colega de trabalho que, depois de algum tempo de ações de desenvolvimento organizacional, recebeu de uma cooperativa a informação de que agradeciam o apoio que tinham recebido até aquele momento, mas não precisavam mais. Dali para frente conseguiriam caminhar sozinhos. Comentei com ele: parabéns para você e sua equipe. "Quando eu crescer” também quero receber uma informação assim.