Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Associações comunitárias também fazem Gestão da Informação?



Apesar do foco da oficina para as associações do Parque Indígena Xingu – PIX, no Mato Grosso, ser a administração financeira, o terceiro módulo, realizado nos dias 18 a 23 deste mês, no Diauarum, foi a elaboração de cartas, relatórios e atas, além do arquivo de documentos, físicos e digitais. Participaram 28 representantes de 8 associações.

Dado o relacionamento histórico dos índios e suas organizações com órgãos do governo, como a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade - ICMBio, secretarias de educação, saúde, entre outros, assimilaram o ofício como forma de correspondência. Foi esclarecido que ofício é uma correspondência oficial, utilizada apenas por órgãos governamentais. Pessoas jurídicas privadas como as associações, utilizam cartas para se comunicar com outras organizações privadas ou públicas.

Exercitaram primeiro a elaboração de carta pessoal, que não tem um formato padrão, usamos linguagem informal, na qual tratamos qualquer assunto, inclusive os íntimos. Em seguida elaboraram uma carta comercial, depois de terem tomado contato com seu formato padrão, linguagem formal, na qual tratamos apenas assuntos de trabalho. As cartas foram lidas e comentadas para corrigir eventuais deslizes de linguagem, formato e para garantir a clareza do que era exposto: um pedido, uma informação ou um convite.


Um relatório também tem formato livre, uma linguagem mais coloquial e nele podemos fornecer mais detalhes de uma reunião, encontro, assembleia, curso, etc. É uma forma muito importante de registrar o evento para o próprio participante, para informar as pessoas ausentes e ir construindo a memória das atividades realizadas pela associação ou em que um ou mais dos seus membros participou. Os relatórios parciais serão importante fonte para elaborar relatórios de atividades de projetos para os financiadores ou relatórios institucionais, divulgando as ações da associação para financiadores, parceiros e público em geral. Como exercício, fizeram o relatório da oficina, que também foi lido e comentado para aprimoramento. Refletimos que, quando alguém da associação faz uma oficina como esta, por exemplo, não faz relatório e não divulga para ninguém, o que foi aprendido fica só com ele. Com a elaboração e divulgação de relatórios, mais pessoas terão acesso a essas informações. Mesmo depois de anos, pessoas que venham a trabalhar na associação poderão ter acesso à sua história através desses documentos. É uma forma de acumular os conhecimentos e experiências da associação.  Quando esse conhecimento fica disperso entre várias pessoas acaba muitas vezes se perdendo quando elas deixam de trabalhar na associação, fazendo com que sempre se “comece do zero” quando troca diretoria, por exemplo. Elaborar, guardar e divulgar relatórios ajuda no desenvolvimento da associação.

Depois de comentados e corrigidos os relatórios, elaboraram uma ata, que é um registro formal, com formato, início e encerramento padrões, mais conciso, sem uso de parágrafo ou intervalos de espaço. É utilizada, por exemplo, para relatar assembleias e devem ser registradas em cartório, principalmente quando houver eleição de diretoria ou alteração do estatuto.

A elaboração de cartas, relatórios e atas, além de boletins e publicações são as formas mais comuns da associação produzir e disseminar informações.

Para conhecer melhor uma das técnicas e a importância do arquivamento de documentos, foi feita a leitura dialogada do capítulo 5 do livro Associação é para fazer juntos: Como guardar e conservar os documentos da associação. Foi comentada a importância da organização tanto dos documentos legais, trabalhistas e tributários da associação, relatórios de projetos, como também relatórios, publicações e outros materiais fornecidos em cursos, encontros, seminários, reuniões, entre outros eventos que normalmente participam. Isso vale tanto para arquivo físico (impresso) como para os arquivos digitais. É muito comum que os impressos fiquem em casas de diferentes diretores e lideranças. Os documentos digitais ficarem em diferentes computadores, inclusive notebooks pessoais. Em geral esses documentos não são centralizados pelo secretário ou outra pessoa da associação e não é raro que venham a se perder, levando consigo boa parte da história e da experiência da associação que acaba nunca se acumulando. Além de centralizar os documentos digitais para mantê-los organizados e disponíveis para todos que precisarem deles, é muito importante fazer uma cópia de segurança em CDs ou HD externo para garantir que os documentos não se percam em caso de algum problema com o computador.

É também nesses eventos, entre outras formas, que a associação coleta informações, criando um acervo importante para suas consultas sobre temas relacionados ao seu trabalho.

No exercício sobre arquivamento utilizamos uma caixa de papelão com documentos que estava numa sala onde é guardado o arquivo inativo de uma das associações participantes da oficina. O primeiro passo foi uma triagem dos documentos que interessava continuarem guardados e o descarte dos que não interessavam. Em seguida foi feita uma separação por tipo de documentos. Foram encontrados folders e publicações que deveriam ser distribuídos e que ficaram ali, esquecidos. Também foram encontrados documentos contábeis, que deveriam estar sob a guarda do tesoureiro, junto com os demais documentos de projetos e atividades. Outros documentos encontrados eram relatórios e publicações sobre diversos temas de interesse da associação. Depois de organizados em pastas por temas e envelopes plásticos por subtemas, refletimos que um arquivo bem organizado não só conserva mais os documentos e facilita o manuseio, como também dá uma idéia mais clara sobre os documentos que a associação tem, tornando-os disponíveis para consulta e utilização. A partir disso, foi repensado se aqueles materiais deveriam estar no arquivo inativo ou se deveriam ser deixados mais à mão de quem precisasse consultá-los.


Para manter o arquivo bem organizado é importante que uma pessoa seja responsável por ele. Tendo mais familiaridade com a forma como os documentos estão organizados, pode arquivar outros da mesma forma e encontrar facilmente qualquer documento que alguém precise. Daí a importância de escolher também pessoas com gosto, habilidade e disponibilidade para essa tarefa para ser secretário da associação.

Ao final, foi comentado que as grandes associações, governo e empresas chamam de Gestão da Informação a esse processo de produzir, coletar, processar, armazenar e disseminar informações. Para essas grandes organizações esse trabalho é mais complexo e precisa de especialistas, mas a resposta para a pergunta do título é: sim, as associações comunitárias também fazem gestão da informação. As informações são fundamentais para a associação desenvolver bem suas atividades, participar de forma qualificada das discussões do movimento social, de conselhos, reivindicar políticas públicas, formar novas lideranças e discutir nas comunidades sobre o que está acontecendo. Se ainda não fazem isso bem, em geral é porque não foram alertadas e nem preparadas para isso. Cabe às organizações apoiadoras oferecerem a oportunidade e certamente vão aprender, crescendo também neste importante aspecto do desenvolvimento organizacional.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Como a execução de projetos pode contribuir para o desenvolvimento organizacional



Já tratamos aqui como é limitador e equivocado pensar que as associações são criadas para conseguir dinheiro através de projetos. Projetos viabilizam recursos e recursos são meios para desenvolver atividades, necessárias para atingir objetivos. Por outro lado, já tratamos também como a elaboração de projetos pode contribuir para o desenvolvimento organizacional de associações, ao proporcionar oportunidade para refletir sobre seus objetivos, estratégias de trabalho, organização interna e relacionamento com as comunidades. Da mesma forma, a execução de projetos também tem uma grande contribuição a dar, dependendo de como ela é feita e da relação estabelecida com os parceiros.

Nesta semana, de 11 a 14 de novembro, estive reunido com diretores da Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana – APITIKATXI, caciques e outras lideranças, além da equipe do Iepé Instituto de Pesquisa e Formação Indígena em Macapá, que me convidou para esse trabalho, para iniciar a organização da execução de um projeto liderado pela APITIKATXI, que envolve 4 Terras Indígenas e 7 povos, com suas 5 associações.

A execução do projeto “Construindo nossos PGTAs: Mobilização e Diagnóstico Socioambiental na TIs Parque do Tumucumaque, Paru d’Este, Trombetas/Mapuera e Nhamundá/Mapuera”, financiado pelo Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas – PEDPI, do Ministério do Meio Ambiente, é um desafio para a APITIKATXI que, nos seus 9 anos de existência, executou alguns projetos de forma intermitente; tem uma diretoria relativamente nova, não tem funcionários e tem contado com o apoio de parceiros, em especial o Iepé e Equipe de Conservação da Amazônia - ECAM para a sua manutenção e para realizar suas atividades quotidianas.

Inicialmente fizemos uma reunião com algumas pessoas do Iepé e diretores da APITIKATXI, para alinhamento da pauta. Nos outros três dias se juntaram a nós alguns caciques e lideranças.

A primeira atividade foi tornar o projeto conhecido por todos. Com calma, fazendo tradução para os caciques e interrompendo sempre que necessário para aprofundar a discussão, foi feita a leitura do projeto.

Esclarecemos as exigências do financiador para a execução técnica e financeira do projeto, destacando como seriam feitos os desembolsos, que os recursos só podem ser utilizados para despesas que constam no orçamento, a necessidade de fazer licitação e de ter comprovantes de despesas válidos contábil e legalmente.

Comprovando que o contador é também um assessor contábil, contamos com a presença da contadora da associação para esclarecer os procedimentos, encargos e benefícios que devem ser pagos para a contratação do assistente administrativo. Um Termo de Referência foi elaborado coletivamente para receber currículos; uma comissão de seleção foi formada com o Cacique Geral, o presidente da associação e dois da equipe do Iepé. Foi bastante discutida a necessidade de definir bem o perfil profissional e fazer uma boa seleção, não cedendo à tentação de contratar alguém porque é parente ou amigo, para ter um funcionário realmente adequado para desenvolver bem as atividades.

Um projeto sempre tem um impacto em uma associação. Foi feita a divisão de tarefas entre os presidente e o tesoureiro: quem faz a articulação com as organizações parceiras e demais associações indígenas, quem cuida da administração e supervisiona o trabalho do assistente, para que possam também continuar com as outras atividades da associação. Foram definidos o local, equipamentos e materiais necessários para o trabalho do assistente.

Foi preparada a próxima reunião, que contará com a presença também de diretores e lideranças das outras 4 associações indígenas envolvidas com o projeto e organizações parceiras, governamentais e não governamentais, para que o envolvimento delas seja também qualificado e para que a governança seja definida coletivamente.

Muitas vezes uma associação entra só com o nome em um projeto. Na verdade, quem escreveu, negociou com o financiador e irá coordenar a execução é uma organização “apoiadora”. Ao final, a associação tem apenas mais um projeto para incluir nas suas experiências. Resultado bem diferente é conseguido quando participa efetivamente de todas as fases de sua execução. É uma excelente oportunidade para amadurecimento. Nesta mesma reunião foi definido qual é o papel da APITIKATXI e qual é o papel dos parceiros e mesmo o meu como consultor.

O assistente administrativo, mesmo que tenha experiência nesse trabalho, precisará aprender, por exemplo, como se prepara a logística de uma reunião ou oficina com a APITIKATXI, com as associações indígenas e organizações parceiras. É diferente de outros lugares e organizações. Então, principalmente para a reunião de abertura, em fevereiro do ano que vem, vai contar com ajuda de quem já tem experiência, depois que for aprendendo pode ir fazendo sozinho. Vai pedir ajuda só quando precisar. Mesmo que já tenha feito prestação de contas de outros projetos, vai precisar aprender como fazer a prestação de contas deste projeto para o PDPI. Cada projeto e com cada financiador é diferente. Principalmente nas primeiras cotações de preços, compras, pagamentos e prestação de contas, vai ter alguém para fazer junto, para aprender. Depois vai fazendo sozinho. Vai ter alguém à disposição para tirar dúvidas ou ajudar quando for preciso. No final, talvez só seja necessário conferir o que já foi feito. Tanto a APITIKATXI como as demais associações vão contar com a minha assessoria em alguns momentos em que ela for necessária. Isso vai ser definido na próxima reunião.

Não precisar mais da organização parceira para tarefas administrativas, captação de recursos, entre outras, não significa que não precisa mais de parceria com ela. Significa que está deixando de depender e passando a trabalhar junto. Viabilizar recursos, projetos, fazer documentos, organizar atividades é “pegar na mão e ir ajudando a fazer as coisas, como os pais fazem com as crianças”. Parceiro não é como pai e mãe cuidando de filho. É como marido e mulher: são adultos, cada um sabe e pode fazer uma coisa diferente e, juntos, conseguem o que precisam e atingem seus objetivos. Esse é o grande aprendizado que a APITIKATXI pode ter com esse projeto: se organizar melhor, aprender a fazer as coisas, ganhar autonomia e ser um parceiro mais forte, inclusive para o Iepé. Vai ser muito bom para o Iepé ter uma associação indígena forte para trabalhar em parceria em muitas coisas que podem ser feitas aqui na região.

Concordando, o presidente da associação disse que acha muito importante aprender que devem depender menos dos outros: “Um pai que cuida do filho 10 anos, 20 anos, 30 anos, uma hora fica cansado e não quer cuidar mais. Por isso, precisamos ir levantando, andando devagar e, aos poucos, andar sozinhos”.