Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 25 de março de 2013

Associações rediscutem seu papel e funcionamento



Já falei anteriormente do “pecado original” de boa parte das associações comunitárias, que é serem criadas por estímulo externo para captar recursos. A falta de um “tecido social” fortalecido e o consenso em torno de objetivos, além do pouco conhecimento sobre funções e atribuições de diretores, conselheiros e associados comprometem seu funcionamento. O foco na captação de recursos externos desconsidera a importância e potencial da contribuição financeira dos associados, desvaloriza as potencialidades da própria comunidade para a solução de seus problemas, além de não valorizar outras oportunidades além dos recursos financeiros que parceiros podem oferecer.

Felizmente várias associações vêm rediscutindo seu papel e funcionamento.

No início de março fui convidado a iniciar um trabalho com a Associação Indígena Tupinikim e Guarani, no Espírito Santo. A AITG foi fundada em 1998 para receber e gerir recursos de compensação pagos pela Aracruz Celulose. Depois de anos de má gestão, encontra-se sem recursos, com dívidas e desmobilizada. Várias aldeias passaram a criar as suas próprias associações. No final de 2012 foi eleita uma nova diretoria com a proposta de mudar esta situação. Uma das atividades que fizemos foi uma reunião com diretores, conselheiros e lideranças para refletir um pouco sobre o que é uma associação e revisitar o estatuto para lembrar o papel da Assembleia Geral, do Conselho Deliberativo, do Conselho Fiscal e da Diretoria. Concordaram que a associação teria muito menos problemas do que tem atualmente se cada instância tivesse desempenhado as suas funções. Na avaliação da reunião disseram, entre outras coisas, que: Hoje a associação está estacionada, parada na sede. Só esperou vir, não caminhou para conseguir. Qual é o objetivo da associação? Vão buscar apoio e recurso para quê? Só para saldar as dívidas? Precisam ter uma agenda de trabalho, assim cada um vai apoiar uma coisa. Os projetos precisam ser pensados e elaborados na comunidade e encaminhados pela associação. Não se deve elaborar projetos sem a participação das comunidades. Muitas vezes ficamos dependentes, por exemplo, da FUNAI. Se ela não mandar semente não tem plantio. Ficamos colocando nos outros a responsabilidade de resolver os nossos problemas. Precisamos assumir nosso protagonismo. Precisamos superar os maus hábitos. Marcaram uma reunião do Conselho Deliberativo, junto com caciques e lideranças das aldeias para diagnosticar melhor a situação da associação, estabelecer prioridades e planejar ações para a reestruturação da associação. Com a criação de associações nas aldeias, estão discutindo também qual deverá ser o papel da AITG.

Na semana passada participei da Assembleia Geral Extraordinária da Organização Padereéhj, em Rondônia. Com a participação de cerca de 100 pessoas, de vários povos indígenas das Terras Indígenas Rio Branco e Igarapé Lourdes, foi aprovada a reforma do estatuto (Ver postagem de 22 de fevereiro) e eleita uma nova diretoria. Sem recursos e desmobilizada, a associação ficou praticamente inativa nos últimos anos. Também neste caso, várias associações foram criadas por diferentes povos em suas aldeias. No novo estatuto, os objetivos focam a articulação com o movimento indígena, reivindicação de políticas públicas e luta por direitos, deixando para as associações locais as atividades mais específicas. Seu papel também foi redefinido quando se estabeleceu que podem se associar a ela as organizações formais (associações e cooperativas) e as aldeias, reconhecendo assim a organização tradicional daqueles povos.

No breve planejamento, feito no final da assembleia, além da agenda política programaram para os próximos meses atividades de fortalecimento da associação: visitas dos membros do Conselho Geral às aldeias para articulação e mobilização e filiação das aldeias e associações.

Mesmo que a partir de um duro aprendizado, associações começam a trilhar seu próprio caminho, valorizando a mobilização de seus associados, a discussão de seus objetivos e a sua efetiva organização e funcionamento. Que os exemplos existentes estimulem outras associações comunitárias e micro-regionais a fazer o mesmo.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Onde buscar a sustentabilidade financeira das associações?



Já comentei em algumas postagens anteriores que muitas associações comunitárias são criadas para acessar recursos de projetos e, em geral, são frustradas em suas expectativas. Algumas conseguem alguns financiamentos e raras são aquelas que se mantêm dessa forma.

Recentemente participei de uma reunião com coordenadores de projeto e consultores para preparar cursos de elaboração de projetos. Foi com satisfação que ouvi entre os princípios norteadores para a elaboração da proposta dos cursos que projeto estava sendo entendido como planejamento e não estritamente como o documento para financiamento. Um dos consultores ponderou que no caso da produção e comercialização de produtos o projeto não é não reembolsável, mas de financiamento ou de comercialização com os chamados mercados institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA ou o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Foi discutido qual é o lugar de um projeto na organização: ele deve estar inserido na estratégia de ação da associação, fruto de um processo de planejamento participativo. Mais do que tratar apenas de como conseguir recursos não reembolsáveis, é preciso tratar da sustentabilidade financeira da associação, onde o projeto é uma forma.

Em especial nos últimos anos em que a cooperação internacional diminuiu drasticamente seus investimentos no Brasil é cada vez mais difícil contar com esses recursos, principalmente para a manutenção da associação. Onde conseguir recursos?

Tenho conversado com várias associações sobre a contribuição dos associados. Em geral é difícil porque foram criadas para levar dinheiro para as comunidades e não para tirar dinheiro deles. No entanto, se a associação é importante porque os associados não devem contribuir para a sua manutenção?

Em vários casos fizemos uma conta rápida com o número potencial de associados e uma contribuição mensal que não pese no bolso e o resultado foi o suficiente para as despesas correntes da associação. Em alguns casos era suficiente também para desenvolver atividades nas comunidades. No início deste mês, fazia com os dirigentes de uma associação no Espírito Santo um orçamento das despesas mensais para negociar com uma empresa. A contribuição dos associados seria suficiente para cobrir todos os gastos, não dependendo a associação de recursos externos.

Em uma oficina de Diagnóstico e Planejamento no início do ano, um grupo incluiu no exercício de planejamento a compra de um barco com recursos de uma festa. Perguntei se seria viável e confirmaram que sim e que estavam pensando em fazer isso.

A comercialização de produtos dos associados pode gerar renda para suas famílias e, uma porcentagem descontada, pode gerar recursos também para a sua manutenção. Se a associação ajuda os associados a ganhar dinheiro, porque eles não vão contribuir com ela?

Vejo que, se a manutenção da associação for garantida pelos associados, será muito mais fácil ela se manter em funcionamento e os projetos serão direcionados para a realização de atividades para atingir seus objetivos.

É muito bom verificar que organizações apoiadoras e associações comunitárias já estão ao menos conversando seriamente sobre isso.

terça-feira, 12 de março de 2013

Produtores comunitários de Humaitá-AM comercializam com a prefeitura


Enviado por
Cassiano de Oliveira e Aurélio Herraiz
Assessores de Campo do IEB em Humaitá-AM

No dia 5 de março foi realizado o evento de licitação da merenda escolar na prefeitura de Humaitá-AM. A atividade consistia basicamente na compra de gêneros alimentícios pela prefeitura de produtores rurais da agricultura familiar do município para a merenda escolar dos alunos da rede municipal de ensino. Participaram 11 produtores rurais, além de dois funcionários da prefeitura, que conduziam o processo, e dois assessores do IEB como observadores.

Inicialmente os presentes foram informados pelo responsável pela licitação, que cada agricultor poderia vender para a prefeitura o valor máximo de R$ 9.000,00. O valor total estimado daquela chamada pública era de R$ 74.000,00. Em seguida leu a lista de documentos exigidos (requisitos) para a prefeitura poder comprar produtos: Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP; Carteira de produtor rural; Certidão Negativa de Dívidas com a União; Certidão Negativa de Dívidas com a SEFAZ; Cópia do CPF do produtor; Cópia do RG do produtor.

Em seguida fez a leitura da tabela de especificação dos produtos, quantidades e preços. Os agricultores familiares presentes apontaram problemas na lista em questão, por exemplo, no município não há produtores de laranja ou na época de cheia dos rios (em que se realiza a licitação) não há produção de melancia em toda a região. A nutricionista da Secretaria Municipal de Educação - SEMED justificou que a lista de produtos foi elaborada pelo IDAM, por demanda da prefeitura, e que os problemas mencionados também já haviam sido identificados por alguns trabalhadores da prefeitura, ou seja, os problemas constantes na lista não foram gerados pelo governo municipal. Por outro lado, produtos regionais como açaí, castanha e maracujá não foram incluídos. A nutricionista explicou que a produção local de açaí não está certificada pelos órgãos sanitários; a castanha ocasionaria problemas com as merendeiras, que não aceitam quebrar castanhas e não há produção no município de castanha descascada com condições de armazenamento e nem todas as escolas possuem liquidificador para processar o maracujá.

Os produtores presentes esclareceram que os preços oferecidos pela prefeitura estavam muito abaixo do mercado. O responsável pela licitação efetuou um levantamento do valor de mercado de cada produto entre os agricultores presentes e fez as alterações propostas, aumentando os valores significativamente.

Na etapa seguinte foram definidos os produtores que venderão cada produto para a prefeitura. Conforme seus cultivos, os agricultores se apresentavam para fornecer os produtos e as quantidades. Apenas dois produtos ficaram sem propostas, melancia e maxixe, pois estes produtos não são desta época e foram equivocadamente incluídos na chamada pública.

Por fim, o responsável pela licitação flexibilizou a apresentação da documentação exigida para os produtores poderem efetuar a venda dos produtos para a prefeitura. No primeiro momento, foi mantida a exigência apenas de três documentos: DAP, Cópia do CPF e Cópia do RG, documentos que ficaram de ser apresentados no início da semana seguinte.  Os outros três documentos (Carteira de Produtor Rural, Certidão Negativa da União e da SEFAZ) os produtores rurais têm um prazo de três meses para se regularizar, conseguir e apresentar esta documentação.

Foi evidenciado que esta licitação se refere ao primeiro semestre letivo, sendo que para o segundo semestre escolar deverá haver outra licitação para a merenda escolar, prevista para junho, na qual deverá ser adquirida pela prefeitura uma variedade maior de produtos da agricultura familiar.

Os agricultores presentes se mostraram razoavelmente satisfeitos com o evento.

Neste momento não foi muito expressivo o número de agricultores participantes, nem o valor que cada um pode comercializar. No entanto, foi maior em relação às licitações anteriores devido à divulgação do edital feita pelo IEB e o IDAM nas comunidades. Merece destaque o interesse efetivo da prefeitura em regionalizar a merenda escolar e valorizar a agricultura familiar. Também chama a atenção a contratação direta dos produtores rurais, sem burocratizar a relação exigindo a intermediação de organizações formais, além da flexibilização com relação aos preços e documentos exigidos.

De acordo com Cassiano, a proposta é manter e aumentar o contato com o pessoal da prefeitura (principalmente o responsável do setor de licitação da prefeitura e a nutricionista da Semed) para influenciar positivamente na próxima chamada pública da prefeitura para merenda escolar, prevista para junho. Ao mesmo tempo, articular para que os produtores consigam os documentos exigidos por estes editais (principalmente a DAP e a carteira de produtor rural).

                Se me perguntarem o que isso tem a ver com o desenvolvimento organizacional de associações, responderei que talvez nada, mas tem muito a ver com o trabalho de organização comunitária que vem sendo desenvolvido há anos pelo IEB e outras organizações na região, com a valorização da agricultura familiar, com a geração de renda, com a melhoria das condições de vida das famílias nas comunidades e com o acesso às políticas públicas e negociação de seus produtos. Todas as formas de organização comunitária, formais ou informais, merecem ser estimuladas para que esses objetivos sejam alcançados, em especial as menos onerosas para as comunidades.