Cidadania também é para fazer juntos!

CIDADANIA TAMBÉM É PARA FAZER JUNTOS!

Associação é para fazer juntos. O título desta publicação, lançada pelo IEB - Instituto Internacional de Educação do Brasil, no início de dezembro de 2011, já exprime o que será tratado em seus capítulos: que a criação de uma associação deve ser resultado de um processo coletivo e sua atuação deve ser marcada também pela participação efetiva de seus associados.


É o resultado de 10 anos de trabalho com organizações comunitárias e regionais indígenas, quilombolas, de ribeirinhos, agricultores familiares e outros, aprofundando e atualizando o que já foi publicado anteriormente em Gestão de associações no dia-a-dia.

Este blog nasceu como um espaço para troca de conhecimentos e experiências de quem trabalha para o desenvolvimento de organizações comunitárias e outras.

A partir de 2018 passou a ser também um espaço para troca de ideias e experiências de fortalecimento da cidadania exercida no dia-a-dia, partilhando conhecimento e reflexões, produzindo e disseminando informações, participando de debates, dando sugestões, fazendo denúncias, estimulando a participação de mais pessoas na gestão das cidades onde vivem.

Quem se dispuser a publicar aqui suas reflexões e experiências pode enviar para jose.strabeli@gmail.com. Todas as postagens dos materiais enviados serão identificadas com o crédito de seus autores.

É estimulada a reprodução, publicação e uso dos materiais aqui publicados, desde que não seja para fins comerciais, bastando a citação da fonte.

José Strabeli




segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Organização Informal, Organização Formal, Plano de Ação e Projetos

Essas coisas podem não ter nada em comum, mas também podem ter uma relação íntima entre si. Fui convidado para facilitar uma oficina em duas partes: uma primeira para esclarecer os estatutos de duas organizações e a outra para capacitar o grupo em elaboração de projetos.

É muito importante que os associados e, principalmente, diretores e conselheiros tenham conhecimento suficiente sobre as regras de funcionamento da associação definidas em seu estatuto. A leitura e os debates foram bastante esclarecedores. Além dos aspectos legais e solução de dúvidas sobre termos jurídicos, refletimos sobre o papel e importância das associações, inclusive das duas associações em questão.

Uma das organizações, mais antiga, com o nome Conselho de Aldeias tem até hoje em seu nome uma representatividade que os indígenas daquele povo não querem abrir mão, mesmo que, depois de alguns anos de convênio com a Funasa, como tantas outras associações indígenas, tenha ficado inadimplente e desde então não tenha captado recursos ou movimentado contas bancárias. Sem poder saldar as dívidas, não pode ser dissolvida. A solução encontrada para viabilizá-la financeiramente foi fundar outra associação. Desta, apenas um grupo pequeno de pessoas faz parte. No entanto, a primeira associação continua tendo diretorias e conselhos fiscais eleitos, mesmo que não tenha mais função executiva e nem tenha recursos para ter seu uso fiscalizado.

A segunda associação, como foi criada apenas para a viabilização financeira da primeira, tem os mesmos objetivos e os poucos associados que participaram da assembleia de sua fundação.

Alguns participantes da oficina externaram a dúvida sobre a representatividade dessas organizações. A que seria mais representativa tem seu funcionamento limitado. A segunda, poucos associados. Chegaram a dizer que não se sentiam representados suficientemente por nenhuma das duas.

Sugeri que rediscutissem os papéis das duas organizações. A primeira poderia ser repensada como uma articulação de lideranças, para definir questões estratégicas, independentemente de seu registro legal. Seus objetivos, estrutura e funcionamento poderiam ser definidos em um Regimento Interno e funcionaria de maneira informal, porém, com toda a legitimidade e força que uma organização de lideranças tradicionais pode ter. A segunda também deveria ter seus objetivos revistos para contemplar todas as questões significativas para aquelas comunidades e mobilizar o máximo possível de pessoas, abrindo-se para receber todos os associados que estivessem dispostos a trabalhar juntos para atingir seus objetivos e, assim, continuar sendo a organização executiva das decisões estratégicas do Conselho.

Foram lembrados alguns casos em que essa opção foi feita, propiciando um diálogo entre organizações tradicionais e não tradicionais, formais e informais, diminuindo significativamente as possibilidades de conflitos entre caciques e diretores de associações e colocando-os em uma posição complementar e colaborativa, conforme já publicado aqui algumas vezes.

O primeiro passo foi dado na própria oficina, sendo formada uma comissão para elaborar uma proposta de regimento interno para o Conselho. A reforma do estatuto da outra organização será pensada posteriormente.

Na segunda parte da oficina, conversamos sobre o que é um projeto como plano de futuro e não só como o documento para pedido de um financiamento. Não esquecemos de falar que todas as comunidades têm muitas potencialidades a serem valorizadas e parcerias, não necessariamente financeiras a serem aproveitadas. Em seguida, tratados dos elementos básicos de um projeto.

Divididos em três grupos, os participantes foram orientados a rever o Plano de Ação, elaborado há algum tempo, de forma participativa com as aldeias e suas lideranças tradicionais, dando a ele um valor mobilizador e um peso político muito grandes. Cada grupo escolheu um dos problemas ali apresentados com suas atividades e que ainda não haviam sido contemplados com financiamentos e nem as comunidades tinham recursos próprios para resolvê-los.

Observando alguns editais de projetos, verificaram que os financiadores esperam cada vez mais projetos inovadores, replicáveis, com ampla participação comunitária desde a discussão do problema até sua avaliação, que valorizem as potencialidades das comunidades e as oportunidades oferecidas por seus parceiros privados e públicos e sejam sustentáveis em sua continuidade.

Os grupos foram elaborando os elementos básicos e apresentando aos demais participantes para sugestões e orientações do facilitador. Ao final, apresentaram o projeto como um todo para que fosse verificada não só a elaboração de cada elemento, como a coerência entre eles.


Todos saíram cientes de que o aprendizado da elaboração de projetos é um processo que exige cada vez mais conhecimentos técnicos e, sobretudo, muita prática, mas satisfeitos com os avanços que haviam conquistado. O diálogo da associação com as comunidades e lideranças tradicionais, o papel político e estratégico do Conselho e o papel executivo da associação também ficaram mais claros.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Comunidades querem a associação mais presente e atuante em sua base

Recentemente fui convidado a participar da assembleia de uma associação que elegeria a nova diretoria e conselho deliberativo e fiscal. Fundada em 2004, a primeira diretoria, em duas gestões, estruturou um escritório na cidade com ajuda de parceiros e executou alguns projetos; tinha sua agenda voltada mais para eventos nacionais e internacionais do que nas comunidades. A segunda diretoria, que terminava agora seu mandato, manteve o escritório na cidade, fortaleceu algumas parcerias, participa de vários conselhos de políticas públicas, como saúde e educação, conferência estadual de transparência, faz reivindicações ao governo e denúncias ao Ministério Público e ainda se aproximou das lideranças, estimulando e apoiando a sua participação na gestão da associação e discussões por ela encabeçadas, o que foi um avanço em relação às gestões anteriores.

O estatuto não é muito claro em seus objetivos com relação às melhorias que a associação se propõe a viabilizar para as comunidades: “defender direitos e interesses coletivos e individuais; buscar parcerias para difusão de ideias, elementos da cultura, hábitos e tradições da comunidade; estimular e propor projetos que visem buscar alternativas de desenvolvimento sustentável;  estimular e promover ações nas áreas de educação, saúde e meio ambiente; estimular ações que visem a fiscalização e proteção da terra; monitorar e fiscalizar as ações de organizações públicas e privadas quando relacionadas aos interesses das comunidades. No entanto, fica claro em conversas e reuniões que as pessoas esperam benefícios, às vezes de forma distorcida, em projetos que distribuam bens de consumo que necessitam.

O relacionamento da diretoria foi mais estreito com as lideranças, encarregadas de repassar as informações para as comunidades. Não foram esclarecidas suficientemente de que o papel da associação não é prover bens de consumo. Também não ficou claro o que a associação traria, então, em termos de benefícios, de melhoria da qualidade de vida. Não foram mobilizados para priorizar e planejar coletivamente as ações da associação ou para rever e tornar mais significativos os seus objetivos. Também não foram mobilizadas e organizadas para trabalharem juntos para atingir seus objetivos, mantendo a ideia equivocada de que é “a associação”, ou seja, a diretoria, quem deve fazer tudo.

Em um Diagnóstico Organizacional, realizado em 2012, foi levantado que os projetos desenvolvidos pela associação ou em parceria com outras organizações estiveram voltados para a formação de gestores, construção de casa tradicional, coleta de materiais tradicionais, implantação de uma estação digital (na cidade), realização de diagnósticos etnoambientais, fortalecimento político e despesas institucionais. Os diretores e lideranças presentes disseram que nenhuma atividade tem sido desenvolvida nas comunidades e com a participação delas.

Para a eleição da diretoria e conselho apresentaram-se 4 chapas, sendo uma delas a da diretoria em exercício com algumas alterações. Este foi um sinal interessante. Mais surpreendente ainda foi que a chapa “da situação” recebeu poucos votos, enquanto uma “concorrente” foi eleita com grande vantagem. O cabeça da chapa vencedora presta pequenos serviços à comunidade e, mesmo cobrando, auxilia muitas pessoas em suas atividades cotidianas.

Depois de eleito, disse que não pretende morar na cidade. Vai ficar no escritório o tempo necessário para atender às demandas administrativas e políticas, mas pretende ficar também uma parte de cada mês nas comunidades, conversando, ouvindo, planejando, avaliando e trabalhando junto.

Me lembrei do capitulo “Deu bicho no jequitibá”, do livro Associação é para fazer juntos, quando é dito que:


— Esse foi o problema de vocês. Tiraram as raízes da associação da nossa comunidade e levaram para a cidade. Lá ela não cresceu bem e ficou doente. Essa é uma lição para todos nós. A Associação Jequitibá pode ter um tronco alto, que conquiste fama e prestígio. Pode ter galhos que se espalhem por várias cidades do nosso estado, do Brasil e mesmo de outros países, mas não pode jamais deixar de ter suas raízes muito bem fincadas na terra fértil da nossa comunidade. É aqui que tem terra boa para ela crescer, não em outro lugar.